Vale paga multas ao governo mineiro, mas questiona
cobranças do Ibama
Comportamento é
similar ao adotado pela Samarco após Mariana
Publicado
Por Leo
Rodrigues - Repórter da Agência Brasil Rio de Janeiro
Passados exatos um ano após a tragédia de Brumadinho, a Vale quitou
quase integralmente as multas ambientais aplicadas pela Secretaria de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). De outro lado,
ela não reconheceu ainda as penalidades impostas pelo governo
federal, através do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério do Trabalho e Emprego. O
comportamento é similar ao adotado pela Samarco diante das sanções decorrentes
da tragédia ocorrida em 2015 na cidade de Mariana (MG).
De acordo com dados da Semad, foram aplicados até o momento 11 autos de
infração em decorrência do rompimento da barragem no dia 25 de janeiro de 2019.
Eles estabelecem multas num total de R$ 104,9 milhões por infrações variadas
como poluição de recursos hídricos, degradação de ecossistemas, entrega de
laudo ou relatório ambiental falso, não atendimento de determinação dos órgãos
ambientais, entre outras. A Vale já quitou R$ 99,3 milhões. O valor pago representa
94,6% das multas aplicadas pelo órgão ambiental mineiro.
Confira o que mudou um ano após a tragédia em reportagem da TV Brasil:
Já o Ibama aplicou, um dia após a tragédia, cinco autos de infração.
Cada um deles resultou numa cobrança de R$ 50 milhões, o que totaliza R$ 250
milhões. Além disso, em 8 de fevereiro, foi aplicada nova multa correspondente
a R $100 mil por dia, enquanto a mineradora não executasse um plano de
salvamento de fauna silvestre e doméstica. “Até o momento, nenhuma multa foi
paga”, informa o órgão ambiental federal.
A tragédia causada pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do
Feijão, em Brumadinho, a 57 quilômetros de Belo Horizonte, completa hoje um
ano. - Divulgação Corpo de Bombeiros de Minas Gerais/Arquivo
Penalidades também foram definidas pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, por meio da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas
Gerais (SRTE/MG). A tragédia de Brumadinho é considerada um acidente de
trabalho. A maioria dos 259 mortos e 11 desaparecidos eram empregados da
mineradora ou de empresas terceirizadas que prestavam serviço na Mina Córrego
do Feijão.
Em setembro do ano passado, o SRTE/MG apresentou o relatório de sua
investigação onde concluiu que a barragem que se rompeu deveria ter paralisado
suas atividades em julho de 2016, mais de dois anos antes do rompimento. O
órgão lavrou 21 autos de infração, alguns dos quais envolve multas. Os valores
não foram divulgados.
No site do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entre as pendências
registradas em nome da Vale, consta que a pasta aguarda o pagamento de multa em
um processo onde houve infração do artigo 157º da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) e do item 22.3.7.1 da Norma Regulamentadora 22, que envolve
segurança e saúde ocupacional na mineração. Os dois dispositivos mencionados
dizem respeito, respectivamente, ao atendimento de normas de segurança e
medicina do trabalho e à avaliação dos fatores de risco a que os trabalhadores
estão expostos.
Procurada pela Agência Brasil, a Vale informou em nota considerar
que a Semad é o órgão competente para aplicação de autos de infração. “Em
relação às multas do Ibama, a Vale apresentou defesas que estão pendentes de
julgamento”, registra a nota. A mineradora afirmou ainda que tem compromisso
total com a reparação dos danos e que a previsão de gastos é de R$ 24,1 bilhões
até 2023. Até o momento já foram gastos R$ 6 bilhões.
Confira reportagem sobre Brumadinho na Rádio Nacional:
Comportamento
repetido
O cenário não é diferente do que ocorre no caso da tragédia de Mariana,
quando 19 pessoas morreram em novembro de 2015 após o rompimento de uma
barragem da Samarco, que tem a Vale como uma de suas controlados ao lado da
anglo-australiana BHP Billiton. Passados mais de quatro anos, os órgãos
federais também não foram pagos. Mas além disso, a Samarco optou ainda por
questionar judicialmente todas as penalidades impostas pela Semad. De acordo
com o órgão ambiental mineiro, apenas o auto de infração aplicado pela poluição
já foi julgado em duas instâncias e está sendo quitado de forma parcelada. Até
o mês passado, haviam sido acertadas 29 das 60 parcelas, num total de R$
72,1 milhões.
Em outros 15 autos de infração aplicados pela Semad, nove já tiveram
julgamento em primeira instância e três estão em análise jurídica, dos quais um
encontra-se suspenso em razão de decisão liminar favorável à mineradora. Os
outros três estão em análise na área técnica da própria Semad. Ao todo, as multas
aplicadas pelo órgão mineiro somam R$ 301,1 milhões. Cerca de 24% desse valor
foi quitado.
Por sua vez, o Ibama cobra R$ 345,2 milhões em 24 autos de infração. Há
ainda um 25º auto de infração que impôs multa diária de R$ 500 mil durante o
tempo em que a mineradora não conseguiu interromper o contínuo vazamento do
rejeito, sobretudo no período chuvoso. “Até o presente momento, nenhuma multa
aplicada pelo Ibama com relação ao desastre de Mariana foi paga pela Samarco”,
informa o órgão federal.
Bloqueios
As multas não foram as únicas penalidades com viés financeiro impostas à
Vale após a tragédia de Brumadinho. Diferentes decisões judiciais estabeleceram
bloqueios nas contas da mineradora para assegurar a reparação dos danos
causados não apenas pela ruptura da barragem ocorrida em 25 de janeiro de 2019,
mas também pelas evacuações em cidades onde outras estruturas teriam risco de
se romper. Ao todo, chegaram a ser bloqueados R$ 17,6 bilhões, mas parte desse
montante já foi liberado.
Em julho de 2019, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou a
mineradora Vale ao pagamento de todos os danos causados pelo rompimento da
barragem. A decisão não fixou um valor por considerar que os prejuízos ainda
estão sendo avaliadas. No entanto, para assegurar a reparação, foi mantido um
bloqueio de R$ 11 bilhões das contas de mineradora, que já vigorava em caráter
liminar.
Posteriormente, de acordo com o TJMG, foi autorizado que a Vale
substituísse metade desse montante por outras garantias financeiras, como
fiança bancária ou investimento à disposição do juízo. Isso significa que a
mineradora ainda está impossibilitada de movimentar R$ 5,5 bilhões. Este é
exatamente o valor que a Vale admite ainda estar bloqueado.
Outros R$ 1,6 bilhão chegaram a ser congelados pela Justiça do Trabalho
em ação movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) com o intuito de
assegurar a reparação aos empregados da mineradora e das empresas terceirizadas
afetados na tragédia. No entanto, esse valor foi liberado quando foi assinado
um acordo com as bases
para o pagamento das indenizações trabalhistas.
Mais três decisões judiciais também haviam levado ao bloqueio de um
total R$ 5 bilhões para assegurar indenizações à moradores da cidade de Barão
de Cocais (MG), de comunidades situadas no entorno da barragem de Vargem Grande
e do distrito de Macacos, em Nova Lima (MG). Após a tragédia de Brumadinho, um
pente-fino nas condições de segurança de outras estruturas da Vale levaram ao
aumento do nível de emergência de algumas delas. Nesses locais, houve
necessidade de evacuações. Em todo o
estado de Minas Gerais, de acordo com a Vale, cerca de 450 famílias ainda estão
fora de suas casas, vivendo em hotéis, casas de parentes ou em imóveis alugados
pela mineradora.
Empresa alemã
A Justiça também impôs bloqueio nas contas da empresa alemã Tüv Süd. Ela
assinou o laudo de estabilidade, documento obrigatório para que a barragem
pudesse manter suas operações. Atendendo um pedido do Ministério Público de
Minas Gerais (MPMG), a Justiça mineira concedeu liminar em 9 de maio do ano
passado congelando das contas da Tüv Süd R$ 60 milhões. A empresa também foi
proibida de produzir novas análises e estudos relacionados com segurança de estruturas
minerárias e de realizar certificação de sistemas de gestão ambiental.
A ação havia sido ajuizada com base na Lei Anticorrupção de Empresas
(LAC). De acordo com o MPMG, a emissão da declaração de estabilidade não
refletiu o estado crítico que era de conhecimento dos consultores da empresa.
Conforme a ação, a Tüv Süd teria corrompido o sistema de certificação de
barragens. "Enquanto, externamente, apresentava-se declaração de
estabilidade da Tüv Süd ao Poder Público, internamente a empresa alemã e a Vale
reconheciam a situação crítica de instabilidade com o problema urgente de liquefação,
adotando posturas contraditórias, implicando a prática dessas condutas a
responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, que deve ser submetida às sanções
administrativas e civis previstas nos artigos 6º e 9º da Lei Anticorrupção de
Empresas", diz trecho da ação movida na esfera cível.
Na esfera penal, o MPMG anunciou a conclusão das investigações e denunciou, na última
terça-feira (21), um conluio entre a Vale e a Tüv Süd como determinadas para a
tragédia. Dezesseis funcionários das duas empresas foram acusados de homicídio
doloso e de vários crimes ambientais
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