16 março 2019

Ataque em Suzano

MP investiga papel de grupos radicais da Internet no ataque em Suzano

O procurador-geral de Justiça do Estado não descarta "ampliar" investigações para tentar desmobilizar estes fóruns


Massacre em escola de Suzano

O Ministério Público de São Paulo investiga se os autores do massacre de Suzano contaram com o auxílio de grupos radicais que operam em fóruns na deep web (os sites da Internet que não são facilmente rastreados em plataformas de busca como Google) para planejar o atentado cometido na Escola Estadual Raul Brasil na quarta-feira. Estes grupos de troca de mensagens conhecidos como chans garantem o anonimato aos usuários, e são famosos pelas discussões de caráter racista, homofóbico, misógino e com conteúdo de pedofilia. O procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, afirmou que o “cyber Gaeco” - equipe especializada do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP - apura se Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro frequentavam estes fóruns.

Smanio não descarta a ampliação das investigações para combater estes grupos online de forma mais abrangente. “Alguns deles já foram investigados anteriormente pelo MP e pelo Ministério Público Federal”, afirma, sem citar os nomes. “É possível que muitos jovens circulem nesse ambiente, e que existam outros crimes [sendo planejados ou cometidos nos grupos]”, disse o procurador.
O massacre de Suzano foi comemorado em vários chans, onde os matadores foram tratados como “heróis”. Computadores e telefones celulares utilizados pelos jovens assassinos foram apreendidos para serem periciados. De acordo com reportagem do portal R7, Guilherme e Luiz teriam trocado mensagens com o administrador do fórum radical Dogolachan, um homem conhecido apenas pela sigla DPR. O fundador do grupo, Marcelo Valle Silveira Mello, conhecido com Psy, foi preso em maio de 2018 na Operação Bravata da Polícia Federal, e condenado a mais de 41 anos de prisão pelos crimes de divulgar imagens de pedofilia, coação e outros. O Dogolachan se auto-intitula "o maior fórum alt-right do Brasil", em referência ao termo usado nos Estados Unidos para se referir à extrema direita no país.
Esta linha da investigação, que conecta o crime de Suzano ao submundo da Internet, esbarra na falta de rastreabilidade de alguns chans da deep web e em uma discussão sobre liberdade de expressão, censura e limites das autoridades nas hora de controlar conteúdos. No primeiro caso, a dificuldade se dá porque é necessária a utilização de um navegador específico para acessá-los, o Tor, que faz uso de tecnologia que camufla o endereço do usuário na rede (chamado de IP). “É praticamente impossível detectar, por exemplo, onde está o servidor que hospeda estes grupos de discussão de ódio para que se possa tirá-los do ar”, afirma Arthur Igreja, professor da Fundação Getúlio Vargas especialista em tecnologia e inovação. Ele explica que a deep web não é necessariamente ilegal ou “ruim”: “Militantes de direitos humanos na China, por exemplo, a utilizam para conseguir se comunicar com o mundo exterior. Os grupos que organizaram a Primavera Árabe também dependiam dela”. No entanto, Igreja afirma que existe uma “camada” da deep web conhecida como dark net (ou rede escura), onde ocorre a venda de armas, drogas, pedofilia e o planejamento de crimes.
A tarefa das autoridades para apurar se os assassinos de Suzano contaram com ajuda ou apoio de fóruns de ódio hospedados na deep web não será fácil. “O maior desafio é a falta de rastreabilidade. É muito difícil [chegar aos autores das postagens]. Existem técnicas de investigação, tanto periciais quanto de infiltração de agentes que procuramos utilizar para fazer uma investigação adequada. Mas é um ambiente hostil [à investigação]”, afirmou o procurador-geral Smanio.
O desafio não é exclusivo das autoridades brasileiras. Um dos atiradores responsáveis pelo atentado que deixou ao menos 49 mortos em mesquitas na Nova Zelândia também participava de um desses grupos, o 8chan, um fórum também popular para intercâmbio racistas e misóginos. Ele usou a plataforma para postar, momentos antes do ataque, o link para um manifesto supremacista branco. No texto existe uma citação ao Brasil: "O Brasil, com toda a sua diversidade racial, está completamente fraturado como nação, onde as pessoas não se dão umas com as outras e se separam e se segregam sempre que possível", comenta.
Como a operação foi extremamente bem-sucedida –o vídeo do atentado transmido ao vivo viralizou-, o ataque na Nova Zelândia também reacendeu o debate sobre as políticas de controle de conteúdos violentos e discursos de ódio na Internet que, para além da deep web e da dark net. Em plataformas como Facebook, YouTube e fóruns menos numerosos com o o Gab esse tipo de mensagem recebe o incentivo dos algorítimos, que ditam qual alcance o material vai ter“Vídeos chocantes - especialmente com imagens gráficas gravadas pela primeira pessoa - é onde o reality show se encontra com a cultura violenta dos jogos e com os algoritmos de amplificação da atenção”, disse Jonathan Albright, diretor de pesquisa do Centro de Jornalismo Digital da Universidade Columbia ao jornal Washington Post. “A Internet moderna foi projetada para o engajamento em primeiro lugar, e isso funciona na contramão de impedir rapidamente a disseminação de material e ideias prejudiciais”.

ATENTADOS EM NOVA ZELÂNDIA

Detido pelo atentado da Nova Zelândia comparece perante tribunal

Gravações monstra que Brenton Tarrant foi de uma mesquita à outra em carro.

Ele tinha duas bombas com as quais pretendia continuar o atentado

Brenton Tarrant, acusado pelo atentado, comparece ao tribunal.
Brenton Tarrant, acusado pelo atentado, comparece ao tribunal.  AFP

O principal detido pelo atentado contra duas mesquitas de Christchurch, o australiano Brenton Tarrant, compareceu nesse sábado a um tribunal da cidade neozelandesa acusado de assassinato. Tarrant, que sorriu à imprensa com arrogância quando dois oficiais da polícia o acompanharam ao banco dos réus, foi o autor dos ataques contra as duas mesquitas, de acordo com a polícia. As gravações das forças de segurança demonstram que ele foi de uma mesquita à outra — estão a poucos minutos de distância de carro — em um episódio de terror que durou 36 minutos. Os agentes o detiveram quando entrava novamente no automóvel, onde tinha duas bombas com as quais pretendia continuar o massacre. Segundo os dados oficiais são 49 mortos e 39 feridos que continuam internados, 11 dos quais na unidade de cuidados intensivos.
O juiz ordenou no sábado à imprensa que não publique fotografias do rosto de Tarrant para garantir seu direito a um julgamento justo. Continuará em prisão preventiva sem fiança até 5 de abril. Os agentes realizaram uma revista exaustiva na casa de Tarrant em Dunedin, na ilha sul da Nova Zelândia, onde morava desde o final de 2017. O preso, que trabalhou como personal trainer, era membro de um clube de tiro ao qual ia frequentemente. De acordo com seus vizinhos, era um homem tranquilo e discreto que gostava de falar de suas viagens.
Quem era Tarrant e por que escolheu a Nova Zelândia para seu atentado são somente algumas das milhares de perguntas que o país tenta solucionar, que pela primeira vez em sua história elevou o nível de alerta terrorista ao máximo. A polícia enviou 125 agentes extras a Christchurch e comunicou que mesmo sem estar procurando ativamente qualquer outro suspeito, ainda não se pode descartar que exista risco de mais violência.

Ardern promete que mudará a legislação de armas de fogo

As demonstrações de apoio à comunidade muçulmana, que representa 1% da população, se estenderam por todas as cidades. Em Christchurch os habitantes deixaram ramos de flores, velas e mensagens de solidariedade ao lado das duas mesquitas atacadas na sexta-feira. A primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern, viajou no sábado à região e compareceu ao Centro de refugiados de Canterbury, onde deu seus mais sinceros pêsames às vítimas. O Governo aprovou uma ajuda econômica às famílias afetadas pelo massacre. As mesquitas do país por enquanto continuam fechadas ao público por motivos de segurança.
Para Ardern, o primeiro dever do Governo é reformar a legislação de posse de armas do país. A líder trabalhista revelou que o australiano Tarrant adquiriu uma licença de armas em novembro de 2017. Cinco armas foram utilizadas no atentados, e duas delas eram rifles semiautomáticos. Ardern disse à população que “chegou a hora de mudar a lei”. O promotor-chefe da Nova Zelândia, David Parker, disse a mesma coisa diante das mais de 3.000 pessoas reunidas em uma vigília no centro de Auckland, a principal cidade do país. A multidão aplaudiu quando ele anunciou que o Governo proibirá os rifles semiautomáticos. Na Nova Zelândia, se calcula que exista por volta de um milhão de armas de fogo, mas os registros de vítimas por disparos são mínimos.

As redes sociais, na mira

A outra grande pergunta feita pelo Governo é se o atentado poderia ter sido prevenido. A primeira-ministra admitiu que a polícia está investigando se nos dias anteriores aos atentados houve alguma publicação no Facebook e outra rede social que não foi investigada. Por enquanto, nenhum membro das agências de espionagem apresentou sua demissão apesar da pressão pública.
É uma investigação muito complexa, de acordo com a dirigente neozelandesa. Ardern responde dessa forma aos que acusam o Governo de se concentrar somente na ameaça de terrorismo islâmico e ignorar o crescimento de simpatizantes da extrema-direita. Christchurch é considerada um caldo de cultivo dos supremacistas, que nos últimos anos beberam do discurso anti-imigração em outras partes do mundo. Tarrant e os outros dois presos pelos atentados de sexta-feira não estavam em nenhuma lista de suspeitos dos serviços de Inteligência da Austrália e Nova Zelândia.
Um dos focos de investigação da polícia da Nova Zelândia são as redes sociais. O australiano filmou o ataque e o divulgou ao vivo pela Internet, ao mesmo tempo em que publicou seu manifesto de mais de 70 páginas, no qual detalhou as razões para cometer semelhante matança.
O Governo lembrou que a incitação ao ódio é um crime penalizado por lei. No sábado existiam muitas mensagens no Twitter e Facebook de repúdio a qualquer forma de violência: “Essa não é nossa Nova Zelândia”, “Ficaremos unidos” e “Eles [as vítimas] somos nós. Nós somos eles”, eram algumas delas.
Essas mensagens refletem a principal pergunta que ressoa nas ruas da Nova Zelândia: como pôde acontecer algo tão atroz em um país tão pacífico. Até agora esse pequeno Estado de menos de cinco milhões de habitantes havia mantido a reputação de ser um dos lugares mais seguros e tranquilos do mundo. A primeira-ministra reiterou à comunidade muçulmana que “a Nova Zelândia é um país que amamos por sua diversidade e sua vontade de integração”: “Minha missão primordial será defender esse ideal durante todo meu tempo restante no cargo”. Um desafio que se tornou muito maior a partir de sexta-feira, o dia em que Aotearoa (o país da nuvem branca, de acordo com os nativos maoris) perdeu a inocência.
fonte:https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/16/internacional/1552714942_800116.html