23 março 2017

EXTINÇÃO DE ESPÉCIES NATIVAS DO CERRADO


Estudo prevê extinção de um terço de espécies nativas do Cerrado em 30 anos
Agência Brasil

Estudo internacional, coordenado por pesquisadores brasileiros e publicado hoje (23) na revista Nature Ecology and Evolution, aponta perda significativa de espécies nativas do Cerrado nos próximos 30 anos se o ritmo atual de desmatamento do bioma continuar. A razão para isso é que há 4.600 espécies de plantas endêmicas no bioma, que não existem em nenhum outro lugar do planeta. Os pesquisadores projetam um quadro de extinções de espécies de grande magnitude se nada for feito.
Alto Paraíso de Goiás (GO) - Queimadas em área de Cerrado do município de Alto Paraíso próxima ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Cerrado já perdeu 46% da cobertura nativa por causa do desmatamento
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Eles estimam que até 1.140 espécies podem desaparecer pelo desmatamento acumulado. “Esse é um número oito vezes maior do que todas as espécies registradas como extintas no mundo até hoje”, disse o coordenador da pesquisa, Bernardo Strassburg. Desde o ano de 1.500, quando foram feitos os primeiros registros das espécies de plantas no planeta, 139 foram declaradas oficialmente extintas.
Segundo Strassburg, o Cerrado já perdeu metade da área original. “Se tudo continuar no cenário que a gente chama de tendencial, vai perder um terço do que sobrou nas próximas três décadas”. O Cerrado já perdeu 88 milhões de hectares, o equivalente a 46% da cobertura nativa.
Isso gera problemas ambientais de diversas naturezas. A crise hídrica que a região Centro-Oeste, como o Distrito Federal, passam no momento seria agravada pela falta do bioma e também haveria a emissão de gases de efeito estufa de 8,5 bilhões de toneladas de gás carbônico.“Isso tudo seria consequência direta do desmatamento projetado para os próximos 30 anos”, diz.
Strassburg, que é secretário-executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) e coordenador do Centro de Ciências para a Conservação e Sustentabilidade da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), destaca que o Cerrado é um hotspot mundial de biodiversidade (região biogeográfica que é simultaneamente uma reserva de biodiversidade e pode estar ameaçada de destruição).
Mix de políticas
A pesquisa diz que esse cenário pode ser evitado sem comprometer o aumento da produção agrícola programado, que projeta em torno de 15 milhões de hectares de expansão de soja e cana-de-açúcar nos próximos 30 anos no Cerrado.
“Isso tudo pode ocorrer, desde que aconteça para dentro de áreas que já foram desmatadas, que hoje são utilizadas como pastagens de baixa produtividade. Você melhora a produtividade de pastagens em outros locais, libera algumas pastagens para soja e cana, faz toda essa expansão. Esses 15 milhões de hectares cabem nessa metade do Cerrado que já foi desmatada sem necessitar fazer nenhum desmatamento adicional”, ressalta.
Segundo Strassburg, o Código Florestal Brasileiro estima que os fazendeiros terão que restaurar 6 milhões de hectares, o equivalente a 6 milhões de campos de futebol, caso queiram ficar em conformidade com a lei. O artigo da revista mostra, ainda, que restaurar essa quantidade de vegetação nativa é bom, mas se isso for feito nas áreas otimizadas para a proteção das espécies, se conseguirá evitar 83% desse quadro projetado.
“Ou seja, se você expande a agricultura para áreas já desmatadas e restaura o Cerrado nas áreas mais importantes para as espécies, você consegue evitar 83% do quadro projetado”, diz o pesquisador.
O estudo cita um conjunto de oito políticas públicas e privadas existentes, algumas em aplicação no Cerrado e outras na Amazônia. Mas sugere que algumas delas, como o caso da Moratória da Soja, por exemplo, deveria ser estendida para o Cerrado. O coordenador disse que esse mix de políticas precisa ser coordenado entre si e financiado de forma apropriada.
Além da Moratória da Soja, implantada na Amazônia, que praticamente eliminou a conversão direta de áreas de floresta para o cultivo da soja na região, as políticas em vigor incluem a expansão da rede de áreas protegidas, uma vez que o Cerrado tem hoje menos de 10% de sua área protegida em unidades de conservação. Strassburg diz que seria importante também o aumento do financiamento para conservação, inclusive verbas oriundas de projetos de combate às mudanças climáticas.
Além disso, uma série de políticas nacionais, estaduais e municipais diretamente focadas na preservação de espécies ameaçadas, devem ser fortalecidas. Ele citou o plano de agricultura de baixo carbono, do Ministério da Agricultura, que poderia ser implementado em escala maior, tendo a preocupação de orientar a expansão da soja e da cana para áreas já desmatadas e melhorar a pecuária em outras áreas.
Para tudo isso funcionar, Strassburg afirma ser essencial que haja um planejamento espacial estratégico para identificar as áreas que são prioritárias para a conservação e restauração da vegetação nativa e as áreas onde a expansão da agricultura teria menor impacto ao meio ambiente, além de serem boas para a atividade agrícola.
O estudo conta com a parceria dos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O diretor do Departamento de Conservação de Ecossistemas do MMA, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, é um dos autores do artigo, segundo o coordenador. Ele espera que o trabalho seja útil para a formulação de políticas públicas ambientais no país e também para mobilizar o apoio necessário para a preservação do Cerrado

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